Ainda o velho era novo quando começou a pintar... Todos os dias, de sol a sol, pintava, de livre vontade, o mural da sua vila...
Via-se no seu sorriso e nos seus olhos já cegos dos vapores da tinta que o fazia com gosto, com prazer...
Apesar de ter perdido a capacidade física para observar o seu trabalho, sentia-o... sentia cada pincelada... cada passagem do pincel... cada tonalidade e a envolvência das cores...
O velho... bem, o velho já era velho... já pintara quase todo o mural... que nunca ninguém parou de ir construindo... pondo tijolos sobre tijolos... sabendo que o velho iria por lá passar...
Um dia, uma criança abordou o velho:
- Velho, não sabes que não é tinta que usas, mas sim água?
- Não, criança, é tinta. Tenho a certeza.
Pois bem... era água... para o velho seria sempre tinta, pois a sua dedicação fazia com que assim fosse... na sua mente estavam as ilustrações e as cores que percorriam o mural...
Tinta, apenas nos primórdios da sua obra... quando ainda podia ver, sentindo o cheiro dos compostos da tinta... os mesmos que o tinham cegado...
Cego, sentiu os cheiros que não existiam... e viu na sua mente as cores que ninguém alguma vez verá...
Se algum dia deixasse de sentir o cheiro da tinta... teria tomado consciência que as cores eram a sua maior ilusão...
Quantos de nós pintamos um mural e criamos as nossas pinturas?
1 comentário:
Parábolas, há muitas. A tua é mais do que apenas mais uma.
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